Que horas são?

sábado, 8 de dezembro de 2012

MÃE, por Valter Hugo Mãe...

                          
                                     


                                     






Sempre desejei ser a mãe que soubesse honrar o céu que transporta dentro de si. A maternidade se  faz todos os dias, em aprendizado, por ensaio e erro, por amor e entrega. Desenho o céu que quis ser para o meu filho. Imenso céu  povoado de estrelas. Uma estrela  especial, generosa e brilhante ilumina meu caminho e aquece meu coração.  Acho que posso dizer, então: sou a mãe que transporta o céu dentro  de si.



“…as mães são como lugares de onde deus chega. lugares onde deus está e a partir dos quais pode chegar até nós. porque só através delas nos encontramos aqui. e, por isso, não há mãe alguma que não mereça o céu, porque em bem verdade, as mães transportam o céu dentro delas, e multiplicam-no a custo, como um ofício,(…)”





(Valter Hugo Mãe, que escreve o texto sempre em letras minúsculas e por isto a palavra Deus está escrita desta forma. Fidelidade ao texto.)



terça-feira, 4 de dezembro de 2012

MONOTONIA




                                                       (registrei a poesia...)





"É segundo por segundo
Que vai o tempo medindo
Monotonia

Todas as coisas do mundo
Num só tic-tac, em suma,

Há tanta monotonia
Que até a felicidade,
Ah! Como goteira num balde,
Cansa, aborrece, enfastia...
E a própria dor - quem diria?
A própria dor acostuma.
E vão se revezando, assim,
Dia e noite, sol e bruma...
E isto afinal não cansa?
Já não há gosto e desgosto
Quando é prevista a mudança.
Ai que vida!
Ainda bem que tudo acaba...
Ai que vida tão comprida...
Se não houvesse a morte, Maria,
Eu me matava."


Mario Quintana, in 'Preparativos de Viagem'



                                              (uma beira do céu mineiro...)
                                                         



..."Beiras do Chico
Beiras sem fim
Beiras de Minas
Beiras de mim..."


(Carlos Brandão)





“O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo. O que aqui está , mal comparando, semelhante à pintura que se põe na barba e nos cabelos, e que apenas conserva o hábito externo, como se diz nas autópsias; o interno não aguenta tinta.”


Machado de Assis, Dom Casmurro.




segunda-feira, 3 de dezembro de 2012





CARTA  DE  AMOR


"Eu sabia que seria apenas depois de te teres ido embora que iria perceber a completa extensão da minha felicidade e, alas! o grau da minha perda também. Ainda não a consegui ultrapassar, e se não tivesse à minha frente aquela caixinha pequena com a tua doce fotografia, pensaria que tudo não teria passado de um sonho do qual não quereria acordar. Contudo os meus amigos dizem que é verdade, e eu próprio consigo-me lembrar de detalhes ainda mais charmosos, ainda mais misteriosamente encantadores do que qualquer fantasia sonhadora poderia criar. Tem que ser verdade. Martha é minha, a rapariga doce da qual todos falam com admiração, que apesar de toda a minha resistência cativou o meu coração logo no primeiro encontro, a rapariga que eu receava cortejar e que veio para mim com elevada confiança, que fortaleceu a minha confiança em mim próprio e me deu esperanças e energia para trabalhar, na altura que eu mais precisava. 

Quando tu voltares, querida rapariga, já terei vencido a timidez e estranheza que até agora me inibiu perante a tua presença. Iremos sentar-nos de novo sozinhos naquele pequeno quarto agradável, vais-te sentar naquela poltrona castanha , eu estarei a teus pés no banquinho redondo, e falaremos do tempo em que não existirá diferença entre noite e dia, onde não existirão intrusos nem despedidas, nem preocupações que nos separem. 

A tua amorosa fotografia. No início, quando eu tinha o original à minha frente não pensei nada sobre a mesma; mas agora, quanto mais olho para ela mais esta se assemelha ao objecto amado; espero que o rosto pálido se transforme na cor das nossas rosas, e que os braços delicados se desprendam da superfície e prendam a minha mão; mas a imagem preciosa não se move, parece apenas dizer: «Paciência! Paciência” Eu sou apenas um símbolo, uma sombra no papel; a tua amada irá voltar, e depois podes negligenciar-me de novo». 

Eu gostaria imenso de colocar esta fotografia entre os deuses da minha casa que pairam acima da minha secretária, mas embora eu possa mostrar os rostos severos dos homens que reverencio, quero esconder a face delicada da minha amada só para mim. Vai continuar na tua pequena caixinha e eu não me atrevo a confessar a quantidade de vezes, nestas últimas vinte e quatro horas, que tranquei a minha porta para poder tirar a fotografia da caixa e refrescar a minha memória."



Carta de Sigmund Freud a Martha Bernays, 19 de Junho 1882 (excerto)







O AMOR



"Deus — talvez esteja aqui, neste

pedaço de mim e de ti, ou naquilo que,

de ti, em mim ficou. Está nos teus

lábios, na tua voz, nos teus olhos

,e talvez ande por entre os teus cabelos,

ou nesses fios abstractos que desfolho,

com os dedos da memória, quando os

evoco.



Existe: é o que sei quando

me lembro de ti. Uma relação pode durar

o que se quiser; será, no entanto, essa

impressão divina que faz a sua permanência? Ou

impõe-se devagar, como as coisas a que o

tempo nos habitua, sem se dar por isso, com

a pressão subtil da vida?



Um deus não precisa do tempo para

existir: nós, sim. E o tempo corre por entre

estas ausências, mete-se no próprio

instante em que estamos juntos, foge

por entre as palavras que trocamos, eu

e tu, para que um e outro as levemos

connosco, e com elas o que somos,

a ânsia efémera dos corpos, o

mais fundo desejo das almas.



Aqui, um deus não vive sozinho,

quando o amor nos junta. Desce dos confins

da eternidade, abandona o mais remoto dos

infinitos, e senta-se aos pés da cama, como

um cão, ouvindo a música da noite. Um

deus só existe enquanto o dia não chega; por

isso adiamos a madrugada, para que não

nos abandone, como se um deus

não pudesse existir para lá do amor, ou

o amor não se pudesse fazer sem um deus."



in 'Cartografia de Emoções' (2001)
Edições D. Quixote






LÍLIA TAVARES   (a publicar)


A CARLOS CAMPOS



"É por ti que se enchem os rios
de carpas azuis,
de águas que querem saltar
pela minha janela.
Como é belo este silêncio ilimitado
quando nas copas redondas das árvores
o teu nome me chama.
Pedi-te que apagasses a lua
e que nos campos tacteando te encontrasse.
Sei-te na aurora, por isso não temo
e agora a lanterna dos dias pode
por fim ficar em ventos de abraços.
Voam aves dentro dos teus sonhos
como memórias de pétalas acordadas.
Ficas ancorado dentro do meu tempo.
Não há saudade nem solidão
que se não derrube."



domingo, 2 de dezembro de 2012


                   (Sobreposição...)





"Eu poderia chorar de coisas assim:
Corre um rio de minha boca, corre um rio de minhas mãos.
Dos meus olhos corre um rio.
Na verdade sofro de excessos, que me dão certo vocabulário
Como derramar, escorrer, atravessar.
Tenho a impressão de que tudo vaza em sobras.
Tenho dificuldade em caber.
Pra caber mais, derramo por nada, derramo sem motivo.
Vou acalmar meu excesso pensei (...)
Palavras são estacas fincadas ao chão.
Pedras onde piso nessa imensa correnteza que atravesso."


Viviane Mosé