Que horas são?

sábado, 13 de outubro de 2012

A Fernanda Dutra é uma amiga muito querida, nos falamos no Facebook há alguns anos. É uma pessoa forte, inteligente, mãe, sabe do amor e da vida e uma mulher do Direito. Chico Buarque nos une, a maternidade é ponto comum e amizade é das melhores. Soube me ler ao enviar este poema de presente para o blog.

Obrigada, Fernanda!  Que Drummond seja uma ponte entre nós. Beijo!




“Eu, Etiqueta”


"Em minha calça está grudado um nome
Que não é meu de batismo ou cartório,
Um nome.....estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida

Que jamais pus na boca, nesta vida,
Em minha camiseta, a marca de cigarro
Que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produto
Que nunca experimentei (...)
(...) meu isso, meu aquilo,
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
São mensagens,
Letras falantes,
Gritos visuais,
Ordens de uso, abuso, reincidência,
Costume, hábito, premência,
Indispensabilidade,
E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
Escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É doce estar na moda, ainda que a moda
Seja negar a minha identidade,
Trocá-la por mil, açambarcando
Todas as marcas registradas,
Todos os logotipos de mercado.
Com que inocência demito-me de ser
Eu que antes era e me sabia
Tão diverso de outros, tão mim-mesmo.
Ser pensante, sentinte e solidário
Com outros seres diversos e conscientes
De sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio (...)
(...) Para anunciar, para vender
Em bares festas praias pérgulas piscina,
E bem à vista exibo esta etiqueta (...)
(...) Onde terei jogado fora
Meu gosto e capacidade de escolher? (...)
Hoje sou costurado, sou tecido,
Sou gravado de forma universal,
Saio da estamparia, não de casa,
Da vitrine me tiram, recolocam,
Objeto pulsante, mas objeto
Que se oferece como signo de outros
Objetivos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
De ser não eu, mas artigo industrial,
Peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome é coisa.
Eu sou a coisa, coisamente."


(Carlos Drummond de Andrade. Corpo, pág. 10 – Ed. Rio de Janeiro: Record, 1987.)


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